Brega é um gênero musical brasileiro, que apesar de ter sido discriminado no passado hoje é extremamente cultuado por fãs e jovens músicos. Todavia, sua conceituação como estética musical tem sido um tanto difícil - uma vez que não há um ritmo musical propriamente "brega" - e alvo de discussões por estudiosos e gente do meio musical. Mesmo sem ter estabelecidas características suficientemente rígidas, o termo praticamente foi alçado à condição de gênero.
Reginaldo Rossi, o "Rei do Brega"
Inicialmente, o termo designava um tipo de música romântica, com arranjo musical sem grandes elaborações, bastante apelo sentimental, fortes melodias, letras com rimas fáceis e palavras simples, em outras palavras, uma música supostamente de "mau gosto" ou "cafona". Mas a partir da imprecisão conceitual que o termo carrega desde sua origem, podia abarcar artistas de outros gêneros musicais da música brasileira, o que, na verdade, só reforçaria essa imprecisão.
Para tornar a conceituação mais difícil, o "brega" assimilaria na década de 1990 novos aspectos - alguns dos quais distantes da linha romântica popular, como são os casos do brega pop e do tecnobrega, bastante populares na cena regional do Norte do Brasil, em especial, na cidade de Belém. Além disso, enquanto muitos artistas da "velha guarda" romântica-popular ainda rejeitavam o rótulo "brega", outros assumiram a pecha - um deles, Reginaldo Rossi.
Embora esteja longe de uma definição conceitualmente precisa, o "brega" segue alcançando grande aceitação entre segmentos das camadas populares do Brasil.
Etimologia
A origem do termo "brega" é desconhecida e bastante discutida. Uma hipótese é que venha dos prostíbulos nordestinos em que esse tipo de música era usado para embalar os romances de aluguel. Aventa-se que o termo derive do "Nóbrega" da rua Manuel da Nóbrega, em Salvador - rua esta que ficava numa região de meretrício da capital baiana.
Waldick Soriano
Outra origem provável para a palavra brega seria originária do Rio de Janeiro, como uma corruptela da gíria "breguete", palavra pejorativa e preconceituosa, usada pela classe média para designar empregadas domésticas e que, por extensão, passou a designar também seu gosto característico de origem popular.
Antecedentes
Não se sabe ao certo a origem musical do "brega". Críticos apontam alguns precursores do "estilo" em cantores das décadas de 1940 e 1950, que seguiam, através do bolero e do samba-canção, uma temática mais "romântica". Entre os quais, Orlando Dias, Carlos Alberto e Evaldo Braga.
Odair José
Durante a década de 1960, a música romântica de artistas oriundos basicamente das classes mais populares passou a ser considerada cafona e deselegante. Isso foi especialmente reforçado pelas grandes transformações vivenciadas pela música popular do país naquele período, com o surgimento de inovações estilísticas dentro cenário músical que agradavam principalmente aos jovens do meio urbano. De um lado, surgiram uma geração oriunda da classe média universitária e que se consolidaria, na década seguinte, sob a sigla MPB, nada menos do que "música popular brasileira". Por outro, os movimentos tropicalista - inspirado em correntes artísticas de vanguarda e da cultura pop nacional e estrangeira e por manifestações tradicionais da cultura brasileira a inovações estéticas radicais - e do Iê-iê-iê - que capitaneou o Rock'N'Roll estrangeiro, dando-lhe uma roupagem nacional, e transformou-se num grande fenômeno de comportamento e moda.
E foi a Jovem Guarda que abriria caminho para novos artistas que desafiaram os padrões de bom gosto da classe média brasileira na década seguinte, já que alguns dos artistas que tiveram uma ligação com o movimento viriam a se tornar populares cantores "cafonas" na década seguinte. É o caso por exemplo do pernambucano Reginaldo Rossi, que liderou a banda The Silver Jets.
Wando
A raiz "cafona"
Em princípio da década de 1970, acentuava-se as estilizações dentro da música brasileira. Em especial, o meio musical predominante definia os cânones da chamada MPB, gênero cada vez mais distante de outras vertentes populares da música brasileira, como o samba, a música caipira, além do rock feito no Brasil e da música romântica - que teria em Roberto Carlos o seu maior representante. O cantor capixaba era um dos poucos artistas que fazia música romântica sucesso de crítica e de público. Para a maioria dos artistas brasileiros românticos populares, mesmo que grandes vendedores no mercado fonográfico brasileiro, sobrava a alcunha nada positiva de "cafona". O termo passou a estigmatizar artistas como Altemar Dutra, Odair José, Reginaldo Rossi e Waldick Soriano dentro do amplo leque da música brasileira.
Amado Batista
Na segunda metade dos anos setenta, uma "nova vertente cafona" surgia com destaque. Era um estilo de roupagem "moderna", bastante influenciado pela discotéque e o pop dançante em voga à época, e que enfatizada danças e gestos sensuais (para alguns, no limite do vulgaridade). Este "novo cafona" foi capitaneado por artistas como Sidney Magal (de "Sandra Rosa Madalena" e "O Meu Sangue Ferve por Você") e Gretchen ("Melô do Piripipi" e "Conga La Conga").
O rótulo "brega"
A partir da década de 1980, o termo "brega" passou a ser cunhado largamente na imprensa brasileira pelos meios-de-comunicação para designar, de maneira pejorativa, música de sem valor artístico. Embora sem uma conceituação aprofundada, a pecha servia para designar uma "música de mau gosto, geralmente feita para as camadas populares, com exageros de dramaticidade e/ou letras de uma insuportável ingenuidade". Era o caso por exemplo do trabalho de cantores da linha romântica "cafona", como os ainda populares Amado Batista e Wando, ou de outros cantores românticos constantemente presentes em programas de auditório da TV, como Gilliard, Fábio Junior e José Augusto.
Luiz Caldas
Ao mesmo tempo em que críticos esboçavam uma conceituação estilística pejorativa sobre o "brega", o estilo passou a influenciar e se fundir a outros artistas e gêneros musicais, o que tornava, na verdade, cada vez mais impreciso estabelecer uma definição clara sobre o que seria "música brega". Como resultado desta ausência conceitualo exata e precisa sobre o que seria o "brega", o termo muitas vezes não se restringia apenas aos artistas romântico-populares, como também podia abarcar artistas vínculados a outros gêneros musicais, como por exemplo, Alcione e Chitãozinho& Xororó, ligados respectivamente ao samba e ao sertanejo. Mesmo cantores do time da chamada MPB, como Gal Costa, eram criticados quando interpretavam canções consideradas de pouco valor artístico pela crítica hegemônica, como o caso do dueto "Um Dia de Domingo", com Tim Maia - um grande sucesso comercial composto pela dupla Michael Sullivan e Paulo Massadas, que se especializou em composições tidas como "bregas". Entre elas, "Me Dê Motivo", na voz de Tim Maia, e "Deslizes", na voz de Raimundo Fagner.
Sidney Magal
Além das tendências românticas, a década de 80 marcou a ascensão de outros gêneros considerados de baixo valor artístico, como a axé-music e, no final da década, o surgimento do funk carioca (inspirado pelo miami bass da Costa Leste dos EUA). Havia também artistas do brega propriamente dito, como Ovelha, Nahim e Harmony Cats, hoje lembrados nas festas "trash".
Dentro desta confusão, jovens artistas do Sudeste Brasileiro (alguns até universitários) assumiram traços do que seria um "estilo brega" em seus trabalhos. Entre os quais, o compositor pianista e ator carioca Eduardo Dusek (que fez o LP "Brega-chique", em 1984) e a banda paulistana "Língua de Trapo".
A mutação e consolidação em Belém
A chegada à década de 1990 levou o "brega" a mais fusões e confusões em torno da conceituação. Nessa década, uma série de artistas passou a se assumir como "bregas". Um dos mais notórios foi Reginaldo Rossi, auto-proclamado "Rei do Brega". Dentro da tradicional linha romântico popular, Reginaldo Rossi mantinha-se como uma espécie de "contraponto nordestino" para Roberto Carlos, inclusive se apropriando do título de "rei" que já acompanhava o companheiro de Jovem Guarda. A canção "Garçom" transformou-o subitamente em sensação no Sudeste, ajudando a detonar uma onda de reavaliação do brega - inclusive com gravações feitas por artistas do establishment musical nacional, como Caetano Veloso - o cantor baiano, que já havia gravado em 1982 a canção "Sonhos", de Peninha, regravaria em2004 "Você não me ensinou a te esquecer", famosa canção de Fernando Mendes. Nos anos 2000, outros "cafonas" receberam reconhecimento, como Odair José, que ganhou álbum-tributo do qual participam Pato Fu, Mundo Livre S/A e Zeca Baleiro,
O cantor Ovelha
Na primeira metade da década de 1990, grupos como o paulistano Vexame e o carioca Os Copacabanas especializaram-se em regravar sucessos do repertório popular "cafona" de Amado Batista e Reginaldo Rossi. Pelo lado do pastiche e da sátira, estes grupos algum sucesso dentre plateias mais intelectualizadas no Sudeste brasileiro. Também numa linha "brega-escrachada", o cearense Falcão e, principalmente, os paulistas Mamonas Assassinas obtiveram grande êxito comercial.
A cantora Alcione seria a "brega" do samba
Mas foi nas regiões Norte e Nordeste que o "brega" resistia e se consolidava como uma grande força musical. Embora as emissoras de rádios e as grandes gravadoras passassem a ignorar sua existência, os artistas "bregas" continuaram produzindo e assimilando novas influências. Mesmo com limitações de capital de investimento e suporte técnico, esses músicos mantiveram um público significativo nas periferias urbanas destas regiões, fora do campo de cobertura cultural da mídia hegemônica. Belém do Pará tornou-se a principal referência na consolidação do "brega" como estilo musical no país. Inicialmente restrito a circuitos de bailes e shows - chamados "bregões" - em casas noturnas da periferia belemense, a cena adquiriu grandes proporções regionais com as "aparelhagens" (grandes e potentes sistemas profissionais de som) das grandes festas populares, freqüentadas por milhares de pessoas, geralmente caracterizada por músicas típicas da região Norte, alguns sucessos da música pop (nacional e internacional) e ritmos caribenhos, como o calipso. A mistura destes sons influenciou novas vertentes praticadas pelos artistas "bregas" que surgiam. Fora do âmbito da indústria fonográfica nacional, a produção musical "brega" paraense era distribuída diretamente por vendedores ambulantes e camelôs, consolidando um mercado alternativo para esse movimento, regionalmente batizado como "brega pop".
A dupla Chitãozinho & Xororó, o "brega" sertanejo
Com letras que ainda mantinham em geral a carga romântica - embora freqüentemente se desvie para erotização explícita, refletida até mesmo na coreografia dos dançarinos que acompanha a malícia da música -, o "brega pop" é caracterizada por um ritmo mais acelerado, com ênfase no acorde das guitarras. Embora tenha se desenvolvido no mercado paralelo das periferias, o "brega pop" transformou-se em um negócio lucrativo e reconquistou espaço nas mídias locais, com presença na programação das grandes rádios comerciais. Embora algumas grandes bandas do "brega pop" ganhassem projeção nacional - e até mesmo internacional -, a grande maioria se seus músicos ainda desenvolvia carreiras efêmeras e se mantinha dentro do circuitos de bailes de periferia. O maior expoente nacional do movimento seria a Banda Calypso. Ainda no Pará surgiram outras ramificações dentro do "brega", tais como o popularmente conhecido "Tecnobrega", resultado da fusão do "brega" com estilos da música eletrônica.
O cantor Falcão
Crítica
Na Enciclopédia da Música Brasileira, de Marcos Antonio Marcondes, o "brega" é caracterizado como a "música mais banal, óbvia, direta, sentimental e rotineira possível, que não foge ao uso sem criatividade de clichês musicais". Para a pesquisadora Carmen Lúcia José, o "brega" teria estruturas sonoras "organizadas e mantidas sem oposição, provocando nos ouvintes uma pasteurização em que todos os arranjos ganham um mesmo assobio".
Gaby Amarantos, cantora de Tecnobrega
Há especialistas, no entanto, que divergem da rotulagem "brega" e atacam marginalização dos artistas "cafonas" na historiografia oficial da musical brasileira, escrita por "uma categoria privilegiada que assume a função e o papel dos legitimadores do gosto" que descarta músicos e tendências musicais não condizentes "com suas perspectivas identitárias". Para o historiador Paulo Cesar de Araújo, o "brega" estaria "no limbo da história", amparado em marcos historiográficos, que teria estabelecido que "toda produção em que o público de classe média não identifique tradição ( "raízes" do samba) nem modernidade ("a partir de 1958, com a Bossa Nova, e que continua com o Tropicalismo") é rotulada de brega ou cafona". O autor Fernando Fontanella complementa ao afirmar que, dentro de um jogo "hierarquias culturais", "o imaginário do belo sempre é pensado pelas instituições da hegemonia dentro de uma legitimação dos grupos dominantes", o que explicaria a relação da "música brega" ao "mau gosto" como algo oriundo de um processo de estruturação de classes que tende a beneficiar determinados grupos em particular.