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sertanejo

O termo sertanejo, do qual a expressão música sertaneja deriva,  significa o habitante do sertão nordestino, isto é, a região seca do  Nordeste brasileiro. Entretanto, o gênero Música Sertaneja, se refere  atualmente não à música da região sertaneja, mas à música originalmente  produzida e consumida na área cultural caipira, localizada ao Sul da  área sertaneja. É comum o movimento de pessoas do Nordeste em direção a  São Paulo por ocasião das secas muito intensas, para retomar quando  volta a chover no sertão. Algumas pessoas fazem este percurso de ida e  volta para São Paulo diversas vezes, enquanto outras se instalam em  algum ponto da rota. A música também viaja nas duas direções. Os  cantadores nordestinos levam para São Paulo a sua voz áspera, cantando  como bardos medievais, cantigas épicas, e improvisando duelos musicais  nas praças e feiras4.

O que é mais evidente acusticamente ao examinarmos a trajetória da  música sertaneja no Brasil é: a crescente internacionalização do  gênero pela incorporação de ritmos e roupagens, da moda de viola à  balada, da sonoridade caipira ao som orquestral por um lado, e  a  coexistência de modos de produção artesanal e industrial -na produção e  consumo local e comunitário ao lado da construção de modelos  padronizados e de consumo massivo- por outro. A pesquisa etnográfica  acrescenta dados que podem sugerir novas possibilidades de leitura de um  quadro que poderia se chamar de “local globalizado” para usar uma  expressão de Néstor García Canclini (1996:85). Como descrevemos abaixo,  na música sertaneja se articulam elementos híbridos, procedentes da  indústria musical transnacional com estilos de performance tradicionais.  No entanto, enquanto os ritmos e arranjos se atualizam o estilo vocal e  caráter épico narrativo das letras permanece.

Quando voltam de São Paulo, costumam levar para o sertão, rádios, e um  repertório de modas-de-viola, que aprenderam com trabalhadores paulistas  que tinham também migrado, mas da zona rural do estado, em busca de  melhores condições de vida. A expressão música sertaneja se tomou  conectada à música de todos estes migrantes, incluindo o migrante  nordestino e o migrante caipira.

A música sertaneja surgiu em 1929, quando Cornélio Pires começou a  gravar “causos” e fragmentos de cantos tradicionais rurais da região  cultural caipira. Na época conhecido como música caipira, hoje  denominado música sertaneja, o gênero se caracteriza pelas letras com  ênfase no cotidiano e maneira de cantar. Tradicionalmente a música  sertaneja é interpretada por um duo, geralmente de tenores, com voz  nasal e uso acentuado de um falsete típico, com alta impedância e tensão  vocais mesmo nos agudos que alcança às vezes a extensão de soprano. O  estilo vocal se manteve relativamente estável, desde suas primeiras  gravações, enquanto a instrumentação, ritmos e contorno melódico  gradualmente incorporaram elementos estilísticos de gêneros disseminados  pela indústria musical. Estas modificações de roupagem e adaptações no  conteúdo temático anteriormente rural e agora urbano consolidaram o  estilo moderno da música sertaneja, que nos anos 80 se toma o primeiro  gênero de massa produzido e consumido no Brasil. Os estilos tradicionais  e modernos convivem e dividem o espaço de consumo, músicos “de raiz”  como Pena Branca e Xavantinho atuando nos circuitos de sala de concerto e  shows universitários enquanto Leandro e Leonardo se apresentam em  feiras e shows massivos.

A história da música sertaneja pode ser dividida em três fases, levando  em consideração as inovações que vão sendo introduzidas no gênero. De  1929 até 1944, como música caipira ou música sertaneja raiz; do  pós-guerra até os anos 60, numa fase de transição; e do final dos anos  60 até a atualidade, como música sertaneja romântica. Na primeira fase  os cantadores interpretavam modas-de-viola e toadas, canções estróficas  que após uma introdução da viola denominada “repique” falavam do  universo sertanejo numa temática essencialmente épica, muitas vezes  satírico-moralista e menos freqüentemente amorosa. Os duetos em vozes  paralelas eram acompanhados pela viola caipira, instrumento de cordas  duplas e vários sistemas de afinação (como cebolinha, cebolão, rio  abaixo) e mais tarde também pelo violão. Artistas representativos desta  tendência, mesmo que gravando em época posterior, são Cornélio Pires e  sua “Turma”, Alvarenga e Ranchinho, Torres e Florêncio, Tonico e Tinoco,  Vieira e Vieirinha, Pena Branca e Xavantinho.

Os intérpretes mais famosos de música caipira são o duo Tonico e Tinoco.  Em 1946, eles gravaram «Chico Mineiro», de Tonico e Francisco Ribeiro  (Continental 15.681), um clássico da música caipira que narra a história  de um boiadeiro que descobre ser irmão de seu vaqueiro (Chico Mineiro).  Mas este parentesco só é revelado após a morte de Chico. Tonico e  Tinoco, em sua performance usam somente a viola caipira e o violão  acústico como instrumentos acompanhadores, e como todas as duplas de  música sertaneja raiz cantam toda a peça num dueto com vozes paralelas  num intervalo de terça. Uma narrativa típica descreve a dureza da vida  no sertão e o caráter reservado do sertanejo. Os personagens principais  da música caipira são ou vaqueiros, ou os animais com quem o vaqueiro  lida no seu cotidiano: gado, mulas, pássaros, etc. O caráter das peças é  épico nas narrativas que falam da vida, morte, e fatalidades da vida no  sertão ou interior.

Nos anos 40, duos urbanos (como as irmãs Castro) começaram a incluir no  seu repertório corridos e rancheras mexicanas, e guarânias e polcas  paraguaias. A característica básica da guarânia é a flutuação rítmica de  compassos binário e ternário, que ocorre alternada ou simultaneamente  na peça; a polca paraguaia, apesar de ter instrumentos que tocam em  compasso ternário simples, enfatiza a batida binária. O ritmo da polca  paraguaia permaneceu basicamente inalterado no seu trajeto de contato  com a música sertaneja, enquanto que a guarânia tem sido simplificada  para um ternário mais regular na produção brasileira. “Fio de cabelo”  analisada abaixo é um exemplo de guarânia.

Na década de 50, a incorporação do estilo mariachi mexicano foi  intensificado pelo sucesso, no Brasil, do cantor Miguel Aceves Mejia  (que também popularizou outra forma que foi também abrasileirada e que  influenciou muito a música brasileira popular -o bolero). A dupla  Milionário e Zé Rico, que conseguiu muita evidência principalmente na  década de 70, introduziu no seu estilo muito da tradição mexicana: usam  floreios de violino e trompete para preencher espaços entre frases, e  golpes de glote que produzem uma qualidade soluçante na voz. Uma  composição e performance muito bem sucedida do duo é a canção ranchera  «Estrada da Vida» de José Rico, onde os artistas contam sua  autobiografia, longa e difícil segundo a música12.

A fase moderna da música sertaneja inicia-se no final dos anos 60 com a  introdução da guitarra elétrica e o chamado “ritmo jovem”, por Leo  Canhoto e Robertinho. O modelo é a Jovem Guarda, sendo que um de seus  integrantes, Sérgio Reis, começa a gravar o repertório tradicional  sertanejo, contribuindo para a penetração mais ampla do gênero. Nesta  modalidade de música sertaneja os cantores alternam solos e duetos para  apresentar canções, muitas vezes em ritmo de balada, que tratam  principalmente de amor romântico, de clara inspiração urbana. Algumas  canções classificadas como sertanejas nas paradas de sucesso são às  vezes interpretadas totalmente por solistas dispensando o recurso  tradicional da dupla. Os arranjos instrumentais dessas músicas adicionam  instrumentos de orquestra além da base de rock, já incorporada ao  gênero. Artistas representativos desta última tendência são Chitãozinho e  Xororó, Leandro e Leonardo, Zezé di Camargo e Luciano, Christian e  Half, Trio Parada Dura, Chico Rei e Paraná, João Mineiro e Marciano,  Nalva Aguiar e Roberta Miranda.

No final dos anos 60 o duo Leo Canhoto e Robertinho introduziram a  guitarra elétrica na música sertaneja, começando uma tendência seguida  por vários músicos. «Soldado sem farda» de Leo Canhoto, é um exemplo  típico: instrumentação básica de rock (guitarra elétrica, baixo  elétrico, e bateria) e a batida chamada de «ritmo jovem». A canção,  escrita durante a ditadura militar, argumenta que o trabalhador rural é  tão defensor da pátria quanto o «soldado fardado».

Um marco na música sertaneja romântica é a canção «Fio de Cabelo» de  Marciano e Darcy Rossi, interpretada pela dupla Chitãozinho e Xororó. A  canção menciona um fio de cabelo encontrado num paletó, um remanescente  de uma relação amorosa. É escrita em ritmo de guarânia, que como disse  acima, foi incorporado ao gênero.

O estilo musical de «Fio de cabelo» se encontra bastante distante da  tradicional música caipira. Enquanto as modas e toadas caipiras têm um  contorno melódico mais próximo da linguagem falada, a melodia ondulada  da música sertaneja romântica cobre uma extensão grande de notas.  Enquanto os cantadores caipiras narram suas canções épicas e bucólicas,  acompanhados por viola e violão acústicos, os cantores de música  sertaneja romântica, interpretam suas canções de amor acompanhados por  uma orquestra de dança (cordas, sopros, bateria, guitarra elétrica e ou  teclado eletrônico, e baixo elétrico.

Nos anos 80, a balada internacional encontra uma afinidade muito grande  no meio artístico da música sertaneja. A balada é uma canção  sentimentalerótica, disseminada pela indústria cultural, cujo interprete  internacional mais famoso no Brasil é Júlio Iglesias. A balada é  escrita geralmente num compasso quaternário composto (12I8), tem uma  melodia ondulada bastante ampla, e usa freqüentemente um acompanhamento  harpejado feito por piano e cordas. A canção «Seu amor ainda é tudo», de  Moacir Franco, na interpretação da dupla João Mineiro e Marciano  exemplifica bem esta tendência.

Houve uma internacionalização gradativa do gênero, desde as modas  tradicionais passando pela adição de ritmos paraguaios ou de inspiração  paraguaia (guarânia, rasqueado e polca), latino-americanos (canção  ranchera, corrido, e bolero mexicanos), influenciados pelo rock (o  chamado ritmo jovem), para chegar na utilização de um gênero  transnacional, a balada.

O que fica mais aparente numa análise estritamente “musical” da música  sertaneja é esta modernização na incorporação de ritmos e instrumentos  além da mudança, aparentemente radical, da temática rural para a  temática urbana, como podemos observar nos trechos transcritos acima. No  entanto, ao pesquisarmos o público constituinte da música sertaneja –  seus aficionados e especialistas – passamos a ter uma idéia um pouco  diferente do seu significado estético: O que torna a música sertaneja de  boa qualidade para seus aficionados não são melodia, harmonia, ritmo,  instrumentação ou forma, categorias musicológicas usuais para a análise  da música popular, mas, principalmente, o estilo vocal dos cantores  no  que chamam de “voz”, além da relação letra-música. A unidade estilística  da música sertaneja é conseguida pelo uso consistente do estilo vocal  tenso e nasal e pela referência temática ao cotidiano, seja rural e  épico na música sertaneja raiz, seja urbano e individualista na música  sertaneja romântica. Deste modo podem ter qualidade tanto Tonico e  Tinoco ou Pena Branca e Xavantinho quanto Chitãozinho Xororó ou Leandro e  Leonardo, pela habilidade que demonstram em lidar com suas vozes dentro  de um estilo específico, e pela coerência interna das letras que  remetem a um cotidiano histórico.